Apêndice 8. Amor, Afeição, Apego.
Tanto para ἀγαπάω – agapaó (g25) como para φιλέω – phileó (g5368) os tradutores usam apenas uma palavra “amor”; e, embora possa ser difícil encontrar outra tradução, uma distinção muito clara na Escritura às vezes é assim perdida. agapaó é a palavra de uso comum, sendo phileó encontrada mais raramente. Não é a força ou intensidade do amor que faz a diferença, mas sim o seu caráter e extensão.
O significado usual de agapaó no grego clássico com respeito a pessoas é “acolher”: é o termo genérico amplo para amar, apto para muitas aplicações. É usado para o amor de Deus para com o mundo (Jo 3:16), bem como para com o Seu povo (1 Jo 4:10-11); também do amor do homem para com Deus (Mt 22:37; Rm 8:28; 1 Co 2:9, 8:3). É a palavra para o amor de Cristo pelos Seus (Jo 13:1), tanto ao indivíduo como à Igreja (Gl 2:20; Ef 5:25). É usado pelo Espírito de Deus na Escritura para expressar a soberania do amor de Deus. Deus ama porque Ele é amor, e independentemente de qualquer consideração sobre o valor do objeto amado.
phileó (que provém de φίλος – philos – g5384 “amigo, querido”), por outro lado, é num sentido mais estrito; descreve a intimidade do amor, e é mais instintivo e emocional, o amor do sentimento e carinho, da afeição pessoal: portanto, este último nunca é sujeito a um comando como agapaó frequentemente é. Os dois verbos são encontrados juntos em Pv 8:17 (LXX). A sabedoria diz: “Eu amo (agapaó) aqueles que Me amam (phileó)”. E, uma vez que a distinção é apreendida, pode ser traçada por meio do seu uso, mesmo quando aparentemente são intercambiáveis. Ela é usada para a expressão do amor, e às vezes pode significar (como καταφιλέω – kataphileó – g2705) “beijar”.
Em Jo 3:35, aprendemos que “o Pai ama (agapa) o Filho, e todas as coisas entregou em Suas mãos”: Em Jo 5:20 “Porque o Pai ama ao Filho e mostra-Lhe tudo o que faz” é semelhante; mas aqui, na presença da sanguinária inimizade daqueles de Jerusalém, o Senhor Jesus Se retira para Seu conhecido lugar no amor mais íntimo do Pai: “o Pai ama (philei) o Filho”; e temos a consequente decisão do Pai de que todos os homens O honrarão e medidas foram tomadas para garantir que isso seja assim. Em Jo 11:5, temos a declaração formal do lugar que o pequeno círculo de Betânia ocupava no coração do Senhor Jesus: “Jesus amava (ēgapa) Marta”, etc. Mas o apelo das irmãs (Jo 11:3) baseia-se no que eles tinham o supremo direito de conhecer, a saber, a afeição pessoal do Senhor por seu irmão, “aquele que Tu amas (phileis)”, e é isso que ficou muito claro para os judeus quando eles O veem chorar: “vede como o amava (ephilei)” (Jo 11:36). Em Jo 14, como em todos esses maravilhosos capítulos de relacionamento com os Seus, a palavra geral usada para amor é agapaó, exceto em Jo 16:27, o que torna a mudança ainda mais marcante; indicando o caráter muito especial, pessoal e íntimo, do amor do Pai por aqueles que encontraram um Objeto comum de amor em Seu Filho amado, “o mesmo Pai vos ama (philei), visto como vós Me amastes (pephilēkate)”, etc.
Mas talvez nosso maior prejuízo, por causa da tradução geral “amor”, tenha sido perder as forças delicadas e sutis da graça que aparecem nos caminhos do Senhor com Pedro em Jo 21, pelo uso das duas palavras. Pedro, embora de certa forma restaurado após seu fracasso, precisava ser restaurado à comunhão com o Senhor. Nenhuma palavra havia sido dita a respeito durante o jantar; mas agora, provavelmente em alusão à confiança orgulhosa de Pedro em si mesmo, que tinha sido a raiz de sua queda, “disse Jesus a Simão Pedro: Simão, filho de Jonas, amas-Me (agapas) mais do que estes?” usando a palavra comum para “amar”. Pedro só pode lançar-se sobre o Senhor e responder: “Tu sabes que estou apegado (philō) a Ti” (JND), usando a palavra de terna afeição. Novamente o Senhor coloca a questão, usando ainda a palavra geral “amas-Me? (agapas)”. Pedro responde usando novamente philō. “Disse-lhe pela terceira vez: Simão, filho de Jonas” – mas agora, em graça Ele adota a palavra de Pedro como apropriada – “estás apegado (phileis) a Mim?” (JND). “Senhor, Tu sabes tudo; Tu sabes que eu estou apegado (philō) a Ti”.
A força assim dada à palavra phileó, pode ser ainda vista ao ser usada quanto a um pai e mãe em Mt 10:37, e a própria vida em Jo 12:25. Paulo a usa apenas duas vezes: em 1 Co 16:22, em total consonância com o que temos achado ser a regra em outras passagens e em Tt 3:15.
Há outra tradução de phileó nos três evangelhos sinóticos do terrível caso do “beijo” de Judas (Mt 26:48; Mc 14:44; Lc 22:47), o sinal exterior de carinho, possibilitado pelos termos de intimidade familiar para o qual ele havia sido admitido para com o Senhor: “Meu próprio amigo íntimo... levantou contra Mim o seu calcanhar” (Sl 41:9)
Pode-se notar que o substantivo agapé, “amor”, da mesma raiz que agapaó, aparece pela primeira vez como um termo corrente na LXX, em Cantares de Salomão (em onze lugares e também em Jr 2:2), a partir dos quais passa para o seu lugar pleno no Novo Testamento em “Deus é amor”. O amor divino era necessariamente um pensamento desconhecido fora da revelação. É traduzida como “caridade” em 1 Co 13 e alguns outros lugares em várias versões, bem como “amor” em geral, o que sempre deve ser sua tradução.