Adivinhação
[geral]
As numerosas referências na Escritura às várias formas de ciência oculta, como é agora chamada, e as fortes denúncias contra os israelitas para não se envolverem com elas, mostram que era uma realidade perigosa. De qualquer forma, muito engano estava associado a isso. Lemos a esse respeito primeiramente em Gênesis 41:8, quando Faraó chamou todos os magos, chartummim, do Egito e os sábios, para interpretarem seu sonho. Tendo todos os seus recursos falhado, foi chamado da prisão o homem de Deus para interpretar o sonho, e isso veio a ser a ocasião para Deus cumprir Seus propósitos com relação a José. Sem dúvida, esses magos e sábios eram eminentes por seu conhecimento, como eram os da corte da Babilônia, sobre os quais Daniel foi colocado como chefe (Dn 4:7, 9).
Entre os egípcios, havia alguns que eram capazes de exercer poderes além daquele que se obtinha pelo aprendizado humano. Quando Moisés se esforçava por meio de sinais para convencer Faraó a respeito do poder de Deus, os magos do Egito foram capazes de transformar suas varas em serpentes e simular as duas primeiras pragas com seus encantamentos (Êx 7:22, 8:7). Por essas pragas “as águas do rio se tornaram em sangue” (Êx 7:20) e “fizeram subir rãs sobre a terra do Egito”. Isso estava além do mero poder humano, e certamente os magos não agiam pelo poder de Deus; portanto, deve ter sido pelo poder de Satanás. Não sabemos a natureza dos encantamentos usados, a palavra é lat, e significa “artes mágicas secretas”. Satanás pode sugerir quais encantamentos usar, se o homem estiver disposto, e pode exercer seus poderes tanto quanto for permitido por Deus. Depois das duas primeiras pragas, o poder foi interrompido, e quando os piolhos foram produzidos, os magos tiveram que reconhecer: “Isto é o dedo de Deus” (Êx 8:19).
Em Deuteronômio 18:10-11, há uma lista de coisas relacionadas ao nosso assunto que foram condenadas pelo Senhor:
- Adivinhação, qesem, “predição”. Uma passagem a ser notada em Ezequiel 21:21-22 dá alguns exemplos de como os pagãos adivinhavam. O rei da Babilônia havia chegado a uma encruzilhada e, querendo saber se deveria pegar a estrada para Rabá ou para Jerusalém, recorreu à adivinhação. Primeiro “ele sacode suas flechas”. Sem dúvida, duas ou mais flechas foram marcadas, cada uma com o nome de uma das cidades, e sacudidas na aljava, a flecha que fosse pega pela mão direita decidiria qual estrada deveria ser tomada. Jerusalém saiu para a mão direita. Talvez o rei estivesse duvidoso, por isso consultou imagens, terafins; não se sabe como eram usados para adivinhação (compare Zc 10:2). O rei ainda procurou outro guia: “examina o fígado” (ARA). Por certas regras estabelecidas, as partes interiores de um sacrifício eram consideradas propícias ou contrárias. O rei usando três conjuntos de prognósticos mostra que ele não tinha grande confiança em suas adivinhações: ele pode ter sido muitas vezes enganado por elas anteriormente. Quão diferente de uma resposta de Deus concedida a Israel!
- Prognosticador, ou, como outros traduzem, “um praticante de augúrio”: pode ter incluído ambos. A palavra hebraica é anan, que também é traduzida como “encantador, adivinho e feiticeiro”. Um prognosticador ou observador dos tempos tinha seus dias de sorte e de azar, e nada podia ser estabelecido sem que os deuses fossem consultados. Temos um exemplo disso em Ester, quando Hamã quis encontrar um dia de sorte em que seus planos contra os judeus seriam executados. Eles recorreram à sorte, mas sem dúvida invocaram seu deus para dar-lhe sucesso. Outros praticavam augúrio com o mesmo propósito de averiguar a vontade de seu deus. Trovões, relâmpagos, observação de nuvens, o voo dos pássaros ou o aparecimento de certos pássaros respondiam às suas perguntas.
- Agoureiro, nachash, “um sussurro”. Isso parece se referir às canções entoadas ou feitiços murmurados como uma preliminar para obter uma resposta dos espíritos que desejavam consultar. Foi uma das coisas a que Manassés recorreu (2 Rs 21:6).
- Bruxo ou Feiticeiro. A palavra hebraica é kashaph e se refere à prática de artes mágicas, com a intenção de ferir o homem ou animal, ou de perverter a mente; para enfeitiçar. Pode ser que eles não tivessem o poder de ferir outra pessoa, a menos que essa pessoa, por curiosidade ou amizade, fosse um ouvinte voluntário dos encantamentos usados. Manassés também praticou essa impiedade (2 Cr 33:6). Nínive é comparada a uma mui graciosa meretriz, mestra das feitiçarias (Na 3:4). A mulher em En-Dor costuma ser chamada de bruxa.
- Encantador, de chabar, “unir, fascinar”. É associada a outra palavra, lachash, “falar de uma maneira suave e gentil”, e então é aplicada ao encantamento de serpentes (Sl 58:5). Da mesma maneira, o homem é enganado e desarmado de sua aversão de se relacionar com espíritos malignos até que se encontre sob o domínio deles. Em Isaías 19:3, outra palavra, ittim, é traduzida como “encantador” com um significado semelhante, como dando um tom suave nos encantamentos dos feiticeiros.
- Consultor de Espíritos Familiares13. A palavra hebraica é ob, que significa “uma garrafa de couro ou pele”, e supostamente implica que as pessoas mencionadas eram declaradamente infladas com um espírito. Ocorre dezesseis vezes e é traduzida em todos os lugares como acima. Como exemplo do significado desta palavra, temos a mulher em En-Dor a quem Saul consultou: diz-se que ela tinha um espírito familiar. Saul imediatamente disse à mulher: “me faças subir a quem eu te disser”. A mulher, assim que sua vida foi garantida por um juramento, respondeu: “a quem te farei subir?” Aparentemente, era sua profissão invocar os espíritos que partiram, mas nesta ocasião ela reconheceu a obra de um poder superior, pois quando viu Samuel ela gritou em alta voz. Samuel disse a Saul que ele e seus filhos no dia seguinte estariam com ele – Samuel. Não se sabe se o possuir poder de invocar os espíritos que partiram está sempre implícito na palavra acima. Uma coisa que se nota, em conexão com aqueles que têm um espírito familiar, é que aparentemente se ouve uma voz: “e a tua fala resmungará desde o pó” (Is 29:4 – TB)14.
- Mágico ou Advinho, de yiddeoni, “um sábio e conhecedor”. A única coisa dita na Escritura a respeito desses é que eles “chilreiam e murmuram entre os dentes” (Is 8:19). Isso sem dúvida fazia parte de seus encantamentos, usados para confundir aqueles que vinham em busca de conselho e talvez fosse necessário despertar o espírito que desejavam consultar para que agisse. O conselho podia ser bom às vezes, a fim de atrair com mais eficácia os iludidos pela influência dos espíritos malignos.
- Necromante, de darash methim, “consultar os mortos”. Isso ocorre apenas em Deuteronômio 18:11, embora o mesmo esteja implícito em Isaías 8:19: Deveriam os vivos se recorrerem aos mortos? Não deveriam eles buscar ao seu Deus? E no Salmo 106:28 lemos sobre alguns que “comeram os sacrifícios dos mortos”, o que pode ter sido algo preparatório para consultá-los.
- Astrólogos, habar shamaym, “os quem dividem os céus” para propósitos astrológicos (Is 47:13). A palavra para “astrólogos” em Daniel é uma palavra diferente, ashshaph, e não implica qualquer conexão com os céus, mas sim “feiticeiros” ou “encantadores”, como lemos com referência à Babilônia em Isaías 47:9, 12, onde uma infinidade de feitiçarias e grande abundância de encantamentos são mencionados. Junto com os astrólogos babilônios em Isaías 47:13 estão associados “os que contemplam os astros”, que podem ter prognosticado eventos pelas alterações das posições dos planetas em relação às estrelas. A esses se somam os Prognosticadores das Luas Novas, que provavelmente tiravam suas deduções da Lua. Conectada com a Babilônia também está a palavra Advinho, gezar, “dividir, determinar a sorte ou destino” por qualquer meio pretendido de predizer eventos (Veja: Astrólogo).
Outros meios de adivinhação são chamados de “adivinhação pelo copo” (Gn 44:5, 15). Isso era praticado pelos egípcios e persas e é assim descrito: pequenos pedaços de metal e pedras, marcados com sinais, eram jogados no copo e as respostas eram colhidas pelas marcas à medida que caíam. Às vezes, enchiam o copo com água e, conforme o Sol se refletisse sobre a água, imagens eram vistas ou imaginadas em sua superfície. Outra referência é “O Meu povo consulta a sua madeira, e a sua vara lhe responde” (Os 4:12). Os árabes usavam duas varas, em uma das quais estava escrito: Deus ordena, e na outra: Deus proíbe, estas eram sacudidas juntas, e a primeira que caia, ou era puxada, era tomada como a resposta; ou uma vara era jogada para cima e a direção para a qual apontava quando caia era a resposta. Será visto aqui que uma “madeira” ou um deus era invocado para que o que a vara declarasse fosse controlado por ele. Assim, em todas as adivinhações, encantamentos eram usados e os deuses invocados para que as respostas dadas fossem as mais favoráveis. Por trás de tudo isso, sabemos que havia demônios que controlavam os resultados obtidos, a fim de realizar os propósitos de Satanás.
No livro dos Atos, encontramos uma jovem possuída por um espírito de adivinhação, ou de Píton. Esta era a adivinhação profética em Delfos, considerado o centro e o foco da adivinhação gentílica. Um espírito maligno ligado a essa adivinhação possuía essa jovem. O testemunho do espírito maligno aos servos do Deus Altíssimo chamava a atenção: pode ter sido compelido a falar assim que foi colocado face a face com o poder de Deus (como os demônios reconheciam Cristo): mas o apóstolo não podia tolerar elogios de tal fonte – o espírito foi expulso por um poder superior. A adivinhação da jovem foi encerrada, e seus senhores perderam a fonte de seus ganhos malignos (At 16:16-19).
A lista acima é dada em Deuteronômio 18:10-11; alguns ainda exigem atenção.
No Novo Testamento, além do caso referido da jovem possuída por um espírito de adivinhação, lemos de outros, como Simão que usou de magia e iludiu o povo de Samaria por muito tempo (At 8:9-11); e Elimas, o encantador, um judeu que se encontrava em Chipre, que perverteu os corretos caminhos do Senhor (At 13:6, 8). Estes usaram artes mágicas (At 19:19) e fascinaram pessoas. Outra palavra grega é usada para feitiçaria no Apocalipse, θαρμακεία – pharmakeia, que se refere à drogas, “entorpecer com drogas”, e então para qualquer sistema de feitiçaria por encantamentos (Ap 9:21, 18:23; compare Ap 21:8, 22:15). A feitiçaria é classificada com o mais grosseiro dos pecados e também é aplicada à igreja professa na Babilônia mística. A mesma palavra é traduzida como “bruxaria” em Gálatas 5:20 na versão King James.
O que foi dito acima é um breve olhar sobre o poder ardiloso de Satanás no mundo invisível, pelo qual ele engana a humanidade, pelo menos onde o homem é a vítima voluntária. Não está claro que a adivinhação não deve ser confundida com mero malabarismo? Por mais que isso possa estar associado a ele, o verdadeiro poder de Satanás está por trás disso. Alguns feiticeiros convertidos nos tempos modernos em várias partes da Terra confessaram que eram controlados por um poder além do seu próprio; mas que cessou inteiramente ao crerem e confessarem Cristo. É importante ver que esse poder é de Satanás, por causa do grande aumento nos dias atuais de tentativas de ter comunicações com os espíritos dos mortos, aos quais até mesmo os Cristãos podem ser, e de fato têm sido, atraídos por mera curiosidade. “Ninguém vos domine (ou prive da vossa recompensa)... metendo-se em coisas que não viu; estando debalde inchado na sua carnal compreensão” (Cl 2:18).
[13]
N. do T.: A palavra hebraica ob também é traduzida como “necromante”, “os que consultam os mortos” (AIBB), “os que consultam espíritos” (TB), “médium” (ARA) ou “espírito de Píton” (JND). [14]
N. do A.: Muitos têm duvidado se realmente foi Samuel que se levantou, por ser profeta de Deus. A mulher teria reconhecido se fosse seu demônio familiar se personificando como de costume: daí o seu medo quando Deus permitiu que aparecesse o espírito de Samuel neste caso especial. É claro que Satanás não pode fazer nada sem a permissão de Deus, mas deve-se lembrar de que é Satanás que tinha o poder da morte (Hb 2:14). Ambos, o hades e a morte, como poderes de Satanás, serão finalmente lançados no lago de fogo (Ap 20:14).