Romanos, Epístola aos

[bíblia]

Esta pode ser corretamente chamada de epístola fundamental da doutrina Cristã. Seu valor e importância são vistos no fato de que sua doutrina estabelece na alma um fundamento moral pela apresentação de Deus em qualidades ou atributos que o estado de coisas existente no mundo parece questionar. Assim, Deus é justificado aos olhos do crente e, neste o caso, os propósitos do Seu amor são revelados a ele.

Olhando para tudo o que está ao nosso redor no mundo, tudo parece estar fora de ordem: a presença e o domínio do pecado, uma lei quebrada e a vontade corrupta e violenta do homem, todos questionam a justiça de Deus; enquanto a dispersão do povo de Deus, Israel, levanta a questão de Sua fidelidade às Suas promessas.

Agora, em Cristo, tudo isso encontra sua resposta plena e completa. O Filho de Deus, por Quem tudo foi criado, veio em semelhança de carne pecaminosa e, ao Se oferecer em sacrifício pelo pecado, vindicou completamente a justiça de Deus, enquanto revelava Seu amor. Ao mesmo tempo, o homem, ou ordem de homem, que pecou contra Deus, foi judicialmente removida por Sua morte de diante dos olhos de Deus, para que Deus pudesse Se apresentar ao homem em graça.

A perfeição moral do Ofertante, necessariamente trouxe ressurreição, na qual todo o prazer da graça de Deus em relação ao homem é manifestado em justiça; e Cristo ressuscitado é o Libertador que virá de Sião para afastar Jacó da impiedade. Assim, a fidelidade de Deus à Sua aliança é estabelecida em Sião. Deus provou ser Fiel e justo: temos aqui os primeiros elementos do conhecimento de Deus.

Mas pode ser desejável abrir um pouco mais detalhadamente a epístola. Após a introdução, na qual pode ser notado o fato de que as boas novas dizem ser relativas ao Filho de Deus, uma imagem nos é dada da condição moral do homem no mundo, seja pagão, filósofo ou judeu. Nos pagãos, vemos o desenvolvimento desenfreado do pecado (Rm 1); no filósofo, o fato de que a luz em si não controla o mal (Rm 2); e no judeu, essa lei é provada como impotente para trazer sujeição a Deus, ou para assegurar justiça para o homem. A conclusão é que todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus – provou-se que todos estão justamente sob a sentença e o juízo de morte que Deus impôs no início (Rm 3).

Na última parte de Romanos 3 temos a declaração da justiça de Deus, no que diz respeito ao estado do homem, no sangue de Cristo, Aquele que na cruz tomou vicariamente o lugar do homem e sofreu o que era devido ao homem: assim é testemunhada a justiça de Deus, tanto em relação à tolerância passada e graça presente, e vista Sua consequente atitude para com todos os homens, sem diferença; enquanto Romanos 4 mostra que o princípio de justificar o homem, ou considerá-lo justo à parte das obras, tinha sido notável em relação aos homens a quem, no passado, Deus havia feito promessas, a saber, Abraão e Davi. Este foi e é o prazer de Deus, conforme agora estabelecido em nosso Senhor Jesus, o Qual foi entregue por nossos pecados e ressuscitado para nossa justificação. Embora o próprio Deus tenha sido glorificado na morte de Cristo, Seu prazer quanto ao homem é manifestado na ressurreição de Cristo.

Romanos 5 traz totalmente à vista a esfera da graça estabelecida por nosso Senhor Jesus Cristo, e desdobra em detalhes os termos nos quais Deus é para com aqueles que foram justificados em Sua graça, começando com a paz e prosseguindo à reconciliação, o amor de Deus sendo derramado no coração pelo Espírito Santo. O assunto é concluído no final do capítulo pela revelação da posição de Cristo como o último Adão; e dos efeitos de Sua perfeição moral, não apenas removendo tudo o que havia acontecido pelo pecado do primeiro homem, Adão, mas trazendo a justificação da vida. O significado disso é que, para Deus, subsiste apenas um Homem típico, e aquilo que se liga a Ele como tal pertence àqueles que moralmente são de Sua linhagem ou ordem. Este princípio era verdadeiro em Adão e agora é verdadeiro em Cristo. Em Cristo, a questão do bem e do mal foi resolvida; a morte foi anulada e a bênção da vida eterna trazida à vista.

A justiça de Deus tendo sido vindicada, e trazida a verdade do que Sua mente é para como os crentes, os três capítulos seguintes abordam a questão do estado do crente e desenvolvem o caminho divinamente estabelecido de libertação para ele a partir de princípios aos quais a alma do homem está naturalmente em cativeiro; para que assim ele possa responder ao amor pelo qual aprouve a Deus Se dar a conhecer, e pode ser levado ao sentido de ser o objeto do propósito de Deus.

Existem três princípios aos quais o homem está escravizado, a saber, o pecado, a lei e a carne; e um caminho foi aberto pelo qual o crente pode ficar livre do controle de cada um desses princípios.

Quanto ao pecado, princípio dominante no mundo – Romanos 6 – o caminho da libertação é indicado no batismo, na identificação com a morte de Cristo; e a liberdade é encontrada em entender a verdade daquilo que é apresentado no batismo, isto é, em verdadeiramente nos considerarmos mortos para o pecado, e vivos para Deus em Cristo Jesus. O conhecimento que a alma adquiriu de Deus em graça habilita-a a tomar esse terreno.

No que diz respeito à lei Romanos 7 – o vínculo, onde este existiu, foi dissolvido na morte de Cristo, para que Cristo ressuscitado dos mortos seja lei para o crente; portanto, ele vive pela fé do Filho de Deus que o amou e Se entregou por ele.

Com relação à carne, que é considerada irremediavelmente perversa, a libertação está no Espírito de vida em Cristo – Romanos 8. Este é o poder dentro do crente, e as consequências disso são importantes. Envolve, na consciência da alma do crente, a transferência de um tronco para outro. Ele não é apenas transplantado, mas enxertado em Cristo, para que adquira todo o alimento e vigor do novo Tronco. Assim, ele é levado à consciência de tudo o que está envolvido no Espírito que habita nele; e é capaz de aceitar mais distintamente a posição da morte para o pecado, e apreciar a verdade de Cristo sendo lei para ele – e no desfrutar da libertação, ele tem a consciência pelo Espírito daquilo para o qual Deus o chamou, a saber, ser conformado à imagem de Seu Filho, e a persuasão de que nada pode separá-lo do amor de Deus que está em Cristo Jesus nosso Senhor.

Agora chegamos a outra seção da epístola, que engloba Romanos 9-11, cujo objetivo parece ser reivindicar a fidelidade de Deus quanto às Suas promessas aos pais, diante do fato de Israel ter sido colocado de lado para abrir caminho para a Igreja. É mostrado que o princípio da soberania estava por trás de todo o tratamento de Deus em relação a Israel, e foi expresso na forma de eleição e rejeição em pontos críticos da história deles, e que a posição de Israel havia sido formada nisso. Um teste crucial veio pela apresentação de Cristo, e Israel tropeçou na Pedra de tropeço; e, ao salvar um remanescente, Deus em Sua soberania também chamou uma eleição dentre os gentios, que se submeteu à justiça de Deus à qual Israel recusou. Nesta conexão, o apóstolo vindica seu evangelho que é para todos.

Deus, entretanto, não desistiu definitivamente de Seu pensamento a respeito de Israel, pois mesmo no evangelho aos gentios Ele, em última instância, os tinha em vista. As nações tinham agora, pelo evangelho, a sua oportunidade, e se deixassem de continuar na bondade de Deus, seu abandono abriria caminho para a retomada dos caminhos de Deus para com Israel; e tanto gentios como judeus manifestamente viriam ao terreno da misericórdia. Assim, Deus seria tudo e o homem nada. Este resultado suscita a doxologia161 no final de Romanos 11.

Assim, temos na epístola uma vindicação completa de Deus, tanto quanto à justiça quanto à fidelidade.

A parte exortativa da epístola segue em Romanos 12-15. A compaixão de Deus é exortada como um incentivo para que o crente esteja aqui para cumprir a vontade de Deus. Transformado pela renovação de sua mente, ele estará aqui na expectativa de outra era. Isso deve ser visto tanto em seu serviço quanto, moralmente, em seu caráter. Sua obrigação é então mostrada com respeito aos poderes permitidos por Deus no mundo, e pelo homem em geral; e então com respeito ao reino de Deus, por cuja influência ele deve ser governado em sua conduta para com os fracos na fé.

O apóstolo conclui com uma referência à distinção de seu próprio serviço, cumprindo sua missão especial para com os gentios – e a expressão de seu propósito no devido tempo de chegar a Roma.

As saudações no final da epístola são notáveis pelo número de pessoas mencionadas por nome e pelas características pelas quais são individualmente identificadas.

A epístola foi escrita por Paulo quando estava em Corinto, por volta de 58 d.C. (compare At 20:1-3). É uma dissertação exaustiva e evidencia a energia e sabedoria do Espírito de Deus em cada ponto discutido. É apropriado que tal epístola tenha sido dirigida aos santos na então metrópole do mundo civilizado, não, entretanto, que aquela metrópole deva ser de alguma forma um centro da Igreja de Deus. Paulo não introduziu o evangelho ali, e não há evidência de que Pedro o tenha feito. Pode ter sido levado para aquela cidade por alguns que se converteram em Jerusalém no dia de Pentecostes.



[161]

N. do T.: Provém do grego doxologia, (doxa “glória” + logia “palavra”) se referindo à expressão oral ou escrita. Portanto, “doxologia” é uma expressão oral ou escrita de louvor e glorificação.