Jó, Livro de

[bíblia]

Tudo o que se sabe da história de Jó se encontra no livro que leva seu nome. Ele morava na terra de Uz, que provavelmente recebeu o nome de Uz, ou Huz (a palavra hebraica é a mesma), filho de Naor, irmão de Abraão. Outro vínculo com essa família também se encontra no fato de Eliú ser filho de Baraquel, o buzita, pois Buz era irmão de Uz (Gn 22:21). A terra de Uz é supostamente no sudeste da Palestina em direção à Arábia Deserta137. Jó é chamado de “maior de todos os filhos do Oriente” (Jó 1:3 – TB). Nenhuma data é dada ao livro, mas não havendo referência nele à lei, ou a Israel, torna provável que Jó viveu em tempos patriarcais, pois o nome Todo-Poderoso, que foi revelado a Abraão, era conhecido por Jó, seu três amigos e Eliú. Ele é descrito como “sincero, reto, e temente a Deus e desviava-se do mal”; ainda assim, ele sofreu a perda de todas as suas propriedades; seus filhos foram mortos; e seu corpo foi gravemente afligido. O grande questão do livro é o governo de Deus, não de forma direta como era com Israel, mas providencialmente em um mundo no qual o pecado e a morte entraram, e onde Satanás, se Deus permitir, pode exercer seu poder antagônico. O trato de Deus com os homens no governo e correção é para o bem; mas isso traz outra pergunta: Como o homem pode ser justo com Deus? – uma pergunta respondida apenas no evangelho.

Os três amigos de Jó totalmente interpretaram mal esse governo de Deus, afirmando que Jó devia estar fazendo o mal, ou não teria sido tratado dessa forma. Jó se ressentiu do julgamento que fizeram dele e, ao se justificar, culpou a Deus em Seus caminhos para com ele. A chave para esta parte do livro é que Jó estava sendo testado: seu coração estava sendo examinado para que seu verdadeiro estado pudesse ser revelado, e que ele pudesse aprender a conhecer a Deus em Sua sabedoria e poder, e que Seus caminhos estivessem em vista de bênção para o homem.

A prova veio toda de Deus: foi Ele Quem trouxe Jó à atenção de Satanás, na maravilhosa visão do invisível, onde os “filhos de Deus” se apresentavam diante de Deus. Satanás estava sempre pronto para afligir o homem e atribuir motivos; mas ele foi derrotado. Quando todas as propriedades de Jó e seus filhos e filhas foram varridos, Jó ainda adorou, dizendo que o Senhor que deu é o Senhor que tirou; e ele bendisse o nome do Senhor. Então, quando seu corpo estava cheio de feridas, sua esposa foi usada por Satanás para tentar induzi-lo a amaldiçoar a Deus; mas ele respondeu: “receberemos o bem de Deus e não receberíamos o mal? Em tudo isto não pecou Jó com os seus lábios”. Satanás foi derrotado e não é mencionado novamente no livro.

Então vêm os três amigos de Jó, e embora até agora ele não tenha pecado com seus lábios, seus amigos revelam o que estava em seu coração. Embora eles não entendessem o governo de Deus com ele, e o acusassem falsamente, eles disseram muitas coisas corretas a respeito desse governo em outros casos. Em suma, Elifaz passou por uma experiência pessoal. Ele disse: “Segundo eu tenho visto, os que lavram iniquidade e semeiam o mal segam isso mesmo” (Jó 4:8). Bildade é a voz da tradição e a autoridade da antiguidade. Ele disse: “eu te peço, pergunta agora às gerações passadas e prepara-te para a inquirição de seus pais” (Jó 8:8). Zofar exibia lei e religiosidade. Ele disse: “se há iniquidade na tua mão, lança-a para longe de ti... então, o teu rosto levantarás sem mácula” (Jó 11:14-15).

Tudo isso levou Jó a afirmar sua integridade entre os homens. Ele disse a Deus: “Bem sabes Tu que eu não sou ímpio; todavia, ninguém há que me livre da Tua mão. As Tuas mãos me fizeram e me entreteceram; e, todavia, me consomes” (Jó 10:7-8). “os meus caminhos defenderei diante d’Ele... Eis que já tenho ordenado a minha causa e sei que serei achado justo” (Jó 13:15, 18). Então, provocado pelas suspeitas e erros de julgamento de seus amigos, ele falsamente julgou a Deus, dizendo: “Entrega-me Deus ao perverso e nas mãos dos ímpios me faz cair”. “Eis que clamo: Violência! Mas não sou ouvido; grito: Socorro! Mas não há justiça”. “Pese-me em balanças fiéis, e saberá Deus a minha sinceridade” (Jó 16:11, 19:7, 31:6). No entanto, como diante de Deus, ele admitiu: “Se eu me justificar, a minha boca me condenará”; e novamente: “Ainda que me lave com água de neve, e purifique as minhas mãos com sabão, mesmo assim me submergirás no fosso, e as minhas próprias vestes me abominarão” (Jó 9:20, 30-31). Mas a questão não resolvida na mente de Jó era: Por que Deus colocaria Seu coração no homem? Ele tão grande, e o homem tão fugaz e miserável: por que Deus não o deixaria sozinho para cumprir seu dia? Pois Jó tinha a sensação de que era Deus Quem estava tratando com ele, e que ele não estava sofrendo de causas providenciais comuns. Seus amigos não sabiam explicar.

Eliú então se adiantou: ele é uma figura de Cristo como mediador e falou em nome de Deus. Ele disse: “O Espírito de Deus me fez; e a inspiração do Todo-Poderoso me deu vida. Eis que vim de Deus, como tu; do lodo também eu fui formado” (Jó 33:4-6). Ele mostrou que Jó não estava apenas justificando a si mesmo, e não a Deus. Ele falou do trato de Deus com a humanidade; como Ele fala ao homem, mesmo em sonhos, para instruí-lo; e se houver um intérprete, um entre mil, que pode mostrar-lhe como sua alma pode permanecer na verdade diante de Deus, ele pode ser livrado de descer à cova; pois Deus encontrou um resgate. Deus castiga o homem para trazê-lo à sujeição, para que seja favorável a ele.

Em Jó 36, Eliú atribui justiça ao seu Criador e garante a Jó que “contigo está um que tem perfeito conhecimento” (Jó 36:4 – TB). Deus não despreza a ninguém e não retira os olhos dos justos; e se estão aflitos, é para a bênção deles. Ele termina com uma reflexão sobre o incompreensível poder de Deus.

O próprio Deus então aborda o caso de Jó e, ao falar dos atos de Sua própria sabedoria divina e poder na natureza, mostra por contraste a absoluta insignificância de Jó. Quanto à sabedoria dos caminhos de Deus, Jó pretenderia instruí-Lo? Jó respondeu “Eis que sou vil” e se calou. Deus continua a argumentar com ele: “Porventura, também farás tu vão o Meu juízo ou Me condenarás, para te justificares?” E Ele novamente aponta para Seu poder na natureza. Jó confessa ter falado do que não entendia: coisas maravilhosas demais para ele, que ele não conhecia. Ele disse: “Com o ouvir dos meus ouvidos ouvi, mas agora te veem os meus olhos. Por isso, me abomino e me arrependo no pó e na cinza”.

Jó agora havia aprendido a lição que Deus pretendia lhe ensinar: ele está em seu devido lugar de nulidade diante de Deus. De lá, Deus pode levá-lo para cima. Em 1 Coríntios 1, Cristo é visto como a sabedoria e o poder de Deus quando o homem é reduzido a nada pela cruz. Jó viu a Deus e tudo mudou. Deus reprovou os amigos de Jó: eles não falaram d’Ele o que era correto como Jó tinha falado. Eles precisam fazer um sacrifício e Jó precisa orar por eles: Jó era servo de Deus, e Deus o aceitaria. Deus abençoou seu último estado mais do que o primeiro: ele teve grandes posses, e sete filhos e três filhas. Ele viveu após sua restauração 140 anos.

Duas vezes Jó é mencionado junto com Noé e Daniel em conexão com “justiça” quando o estado de Israel se tornou tão iníquo que se esses três homens estivessem lá, até mesmo sua justiça teria libertado apenas suas próprias almas, mas não teria salvado um filho ou filha (Ez 14:14, 20). Jó também é apresentado como um exemplo de perseverança e mostrando qual é o objetivo do Senhor, que Ele é muito misericordioso e piedoso (Tg 5:11).

 



[137]

N. do T.: Arábia Deserta (do latim, Arabia Deserta) é o nome dado por Ptolemeu (90–168), à região ocupada pelo deserto interior da Península Arábica. O qualificativo “Deserta”, dado à região, servia para distingui-la da Arábia Feliz e da Arábia Pétrea. Apesar dessa denominação, a Arábia Deserta não era uma região ocupada apenas por povos nômades: segundo Ptolemeu, lá existiam 39 cidades (cf. Wikipédia).